Da biodiversidade ao conflito por terras, entenda o impacto do marco temporal em MS

Da biodiversidade ao conflito por terras, entenda o impacto do marco temporal em MS
Publicado em 24/01/2025 às 10:12

Mato Grosso do Sul tem 26 TIs (Terras Indígenas) em processo de regularização e travadas pelas discussões do marco temporal, de acordo com a Funai (Fundação Nacional do Índio). Povos Indígenas estão novamente no centro de uma discussão judicial em torno do marco temporal, tese pela qual a população reivindica terras ocupadas ou disputadas quando a Constituição Federal de 1988 foi promulgada.

Apesar de mantida pelo Ministro Gilmar Mendes, a discussão retoma ao STF (Supremo Tribunal Federal), pois o ministro Edson Fachin, relator de uma dezena de recursos e pedidos de suspensão da norma, leva o tema para o plenário da Corte.

Contudo, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, não definiu a nova data do julgamento. Mendes lidera a tentativa de conciliação e optou por não suspender a lei previamente. Por sua vez, Barroso havia pontuado que uma pauta de julgamento seria marcada caso a conciliação fracassasse. Para Barroso, a conciliação de Mendes busca harmonizar o direito das comunidades indígenas com os interesses defendidos pelo Parlamento.

Em setembro de 2023, o STF declarou a inconstitucionalidade do marco temporal, que condicionava a demarcação de terras indígenas à comprovação de ocupação em 5 de outubro de 1988. Entretanto, o Congresso aprovou uma nova lei que recriou a tese.

A divisão de interesses

Aprovada pela maioria no Congresso, a lei encontra oposição dos povos indígenas, que deixaram a comissão de conciliação conduzida por Mendes. Logo, a população originária passou a pressionar Fachin pela suspensão da norma.

Entre as associações que assinam o pedido estão o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Associação Juízes Para a Democracia (AJD), o Instituto Socioambiental (Isa) e o Greenpeace Brasil.

Sendo assim, as entidades afirmam que a lei “ressuscita questões já superadas” pela Corte e que, “ao invés de contribuir com a otimização da realização do dever constitucional de proteção e demarcação de terras indígenas, cria entraves e obsta os procedimentos administrativos que há décadas estão em andamento”

Por outro lado, representantes do agronegócio e parlamentares defendem a manutenção da lei sob argumento que a suspensão causa insegurança jurídica e instabilidade institucional.

O agronegócio defende a constitucionalidade do marco temporal, com base nas 19 condicionantes do julgamento da Raposa da Serra do Sol, e a indenização aos proprietários de terras demarcadas.

Imbróglio do marco temporal

A Funai solicitou ao STF o reconhecimento da inconstitucionalidade de diversos dispositivos da Lei 14.701/2023 que contrariam o texto constitucional. Para a Funai, tais dispositivos não apenas consolidam a violação de direitos dos povos indígenas, como também dificultam a implementação da política indigenista.

Entre as disposições prejudiciais para a política indigenista, em especial para a política territorial, está a tese do marco temporal, a vedação à revisão de limites de terras indígenas e a fragilização do direito de consulta aos povos indígenas, além de questões procedimentais para a demarcação de terras.

Impacto em MS

Enquanto não há decisão, a demora motiva retomadas e ocupações, como a que aconteceu TI Panambi – Lagoa Rica, em Douradina, a começarem a retomar as áreas, em julho de 2024.

Isso gerou a tensão que terminou em conflito com os fazendeiros da região. O resultado foi que diversos indígenas saíram baleados e o clima tenso perdura até hoje.

Mas como a tese do marco temporal impacta nessas terras em Mato Grosso do Sul? Para o procurador Marco Antônio Delfino de Almeida, do MPF (Ministério Público Federal) de Dourados, a PEC não deve se aplicar regionalmente, principalmente em Douradina.

“O que é o Marco Temporal? O Marco Temporal diz que os indígenas não estavam na ocupação em 5 de outubro de 1988. A gente teve uma tentativa de demarcação da Funai em 1972. A gente tem documentos que mostram que a própria USPI, a mando da colônia Agrícola Nacional de Dourados, efetuou a prisão de lideranças desse território. Então, assim, zero possibilidade de Marco Temporal”, disse ao Jornal Midiamax, no começo de agosto de 2024, durante a visita da ministra Sônia Guajajara à região.

“O Marco Temporal é um absurdo, do ponto de vista jurídico, mas ele tem até alguma argumentação fática em outros cenários, aqui não tem a mínima possibilidade que ele se apresente”, afirmou. Os territórios indígenas em MS estão em diversos municípios do Estado. Entre eles, Dourados, Amambai, Caarapó e Paranhos.

Biodiversidade

Como o próprio nome sugere, povos originários desempenham um papel crucial na preservação ambiental no Brasil, devido à sua profunda conexão e conhecimento tradicional da fauna e flora.

O Museu de Astronomia e Ciências descreve que os territórios indígenas têm sido uma fronteira de resistência diante da ganância capitalista expressa em atividades como a mineração, extração de madeira, monocultura, pecuária, entre outras práticas de exploração predatórias.

“Eles veem a natureza como um ser vivo, com o qual mantêm uma relação recíproca, e reconhecem a importância de protegê-la para as gerações futuras. Esse entendimento os levou a desenvolver práticas que priorizam a conservação e restauração do ambiente natural”, pontua um artigo publicado.

Sendo assim, os povos indígenas mostram que é possível preservar a biodiversidade, manter os serviços ecossistêmicos e mitigar os efeitos das mudanças climáticas. No geral, suas contribuições são essenciais para o bem-estar contínuo dos ecossistemas brasileiros e para a luta global contra a degradação ambiental.

Como ocorre o processo de demarcação de Terras Indígenas?

marco temporal
(Arte, Jornal Midiamax)

Homologação de terras em MS

Segundo dados da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Mato Grosso do Sul conta com 58 Terras Indígenas atualmente e mais duas Reservas Indígenas. Deste número, 16 estão na primeira fase, a de estudo. Outras quatro estão delimitadas – como a Panambi – e seis declaradas.

Em fase de homologação são cinco e já regularizadas são 27 em todo o Estado. Entretanto, por conta do imbróglio jurídico do Marco Temporal, todos os processos estão travados. Apesar de, na opinião do procurador, a tese ainda não impactar diretamente na demarcação, a preocupação dos indígenas é que a aprovação do Marco Temporal deslegitime a presença deles em áreas ocupadas e aumente ainda mais a tensão já existente.

Confira as terras que estão em estudo:

Terra Indígena Etnia Municípios
Apapeguá Guarani Kaiowá Ponta Porã
Apykai Guarani/ Guarani Kaiowá Dourados
Douradopeguá Guarani Dourados
Dourados – Amambaipeguá II Guarani Kaiowá Caarapó e Dourados
Dourados – Amambaipeguá III Guarani Kaiowá Caarapó e Dourados
Garcete Kuê (Nhandeva Peguá) Guarani Sete Quedas
Guaivyry-Joyvy (Amambaipeguá) Guarani Kaiowá Ponta Porã
Iguatemipeguá II Guarani Kaiowá Amambai, Aral Moreira, Coronel Sapucaia, Dourados, Iguatemi, Paranhos e Tacuru
Iguatemipeguá III Guarani Kaiowá Tacuru
Laguna Piru (Nhandeva Peguá) Guarani Eldorado
Laranjeira Nhanderu (Brilhantepeguá) Guarani Paranhos
Mbocajá (Ñandévapeguá) Guarani Amambai, Coronel Sapucaia, Iguatemi, Paranhos e Tacuru
Potrerito (Nhandeva Peguá) Guarani Paranhos, Sete Quedas e Tacuru
Vitoi Kuê Guarani Japorã e Mundo Novo

As que estão delimitadas:

Terra Indígena Etnia Municípios
Dourados – Amambaipeguá I Guarani Amambai, Caarapó e Laguna Carapã
Iguatemipegua I Guarani Kaiowá Iguatemi
Jatayvari Guarani Kaiowá Ponta Porã
Panambi – Lagoa Rica Guarani Kaiowá Douradina e Itaporã
Ypoi/Triunfo Guarani Nhandeva Paranhos

E, por fim, as já declaradas:

Terra Indígena Etnia Municípios
Guyraroká Guarani Kaiowá Caarapó
Ofayé-Xavante Ofayé Brasilândia
Panambizinho Guarani Kaiowá Dourados
Potrero Guaçu Guarani Nhandeva Paranhos
Sombrerito Guarani Nhandeva Sete Quedas
Sucuriy Guarani Kaiowá Maracaju
Taquara Guarani Kaiowá Juti

Linha do tempo do Marco Temporal

Portanto, ao proferir decisão favorável aos indígenas durante o julgamento de um conflito com produtores de arroz em Roraima, o Supremo usou como argumento que o povo da Raposa Terra do Sol já estava no território quando foi promulgada a Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Consequentemente, o posicionamento abriu precedentes para que outros casos de demarcação fossem analisados usando a mesma lógica e limite temporal.

Em 2023, o STF determinou a inconstitucionalidade da tese do Marco Temporal e concluiu que a demarcação dos territórios indígenas independe de ocupação na data da promulgação da constituição, em 1988.

Entre os pontos que serão incorporados novamente à lei, estão: a proibição de ampliar terras indígenas já demarcadas; adequação dos processos administrativos de demarcação ainda não concluídos às novas regras; e nulidade da demarcação que não atenda a essas regras.

Entretanto, para a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), o marco temporal ignora as violências e perseguições que os povos indígenas enfrentam há mais de 500 anos, em especial durante a ditadura militar, que impossibilitaram que muitos povos estivessem em seus territórios no ano de 1988.

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